Com estrutura inspirada nos barcos da região amazônica, Atelier OReilly projeta o Mirante do Gavião, hotel sustentável em Novo Airão, Amazonas
O hotel fica na cidade de Novo Airão, próxima a Manaus, um município com pouco mais de 17 mil habitantes organizado em torno do turismo para alguns dos mais importantes parques nacionais brasileiros: Jaú e Anavilhanas - e que ao mesmo tempo tem infraestrutura precária e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,57, número abaixo da média do Estado do Amazonas. Uma realidade dura que se confronta com um turismo de luxo, em meio a reservas naturais e ao sempre sedutor ecossistema da Amazônia, em uma profusão de paisagens, florestas e complexa vida aquática.
O Mirante do Gavião é mais uma alternativa de hospedagem dentro da rede hoteleira que se organiza nas franjas desses parques, dando apoio aos turistas que eventualmente querem passar a noite em meio à natureza. O local, no entanto, distingue-se de seus concorrentes pela exclusividade (tem somente sete dormitórios) e sobretudo pela arquitetura, que procura dar um acento internacional na ocupação do terreno.
Enquanto a maioria dos hotéis oferece aos visitantes uma experiência na floresta calcada em imagens genéricas como bangalôs, pontes de madeira e deques, o projeto do Atelier O'Reilly preferiu partir de premissas mais ligadas às correntes arquitetônicas contemporâneas. "A comunidade ribeirinha há anos constrói barcos de madeira com uma tecnologia passada de pai para filho", diz Patrícia O'Reilly, titular do escritório, "aproveitando a mão de obra local, a pousada foi desenhada como um barco invertido, permitindo que este conhecimento fosse aplicado na obra".
Na prática, trata-se do uso, em todas as edificações do hotel, de uma técnica de estrutura de madeira curva, remontando aos cascos de barcos. A partir dessa estrutura, os volumes são fechados por vidro e ripados de madeira, que atuam como brise soleil, protegendo os hóspedes da insolação forte nessa região muito próxima à linha do Equador.
Apesar de baseado em uma premissa estética concisa - a inversão da estrutura dos cascos curvos de barcos -, o complexo possui certa variedade. O hotel é resolvido como quatro volumes, sendo um apenas a recepção. Próximo à margem do rio, um volume linear paralelo ao leito resolve programas comuns, como o restaurante e o estar. Aqui, a aproximação com a linguagem de navios é a mais literal: uma pequena diferença de altura entre as barras de madeira desloca a simetria do conjunto e permite que a luz entre por uma abertura lateral no topo da cobertura. É possível que, de noite, algum navegante possa confundir as luzes desse pequeno pavilhão pleno de pessoas com um barco-restaurante atracado.
Alguns metros mais afastado da margem, um segundo volume aproveita-se da elevação da topografia e resolve uma série de chalés. A estrutura curva é mais uma característica em uma arquitetura que utiliza diferentes técnicas de madeira. Uma defasagem entre as estruturas resolve cada chalé como uma peça única e, contíguo a cada um, uma varanda sustentada por troncos dá a cada grupo de hóspedes o seu próprio ângulo de vista para o rio Negro.
Na parte dos dormitórios, o projeto precisou prever fechamentos mais opacos do que os ripados de madeira utilizados amplamente no restaurante. Se as ripas estão ali nos chalés, atuando como brises filtrando a entrada de luz, a vedação fica a cargo de placas de madeira dispostas na horizontal, num detalhe menos elaborado que o discurso das estruturas curvas de barcos.
Nesse conjunto de peças horizontais, sobressai-se uma plataforma apoiada sobre toras de madeira, que forma um mirante comunitário na parte posterior dos chalés. Trata-se de uma prática típica nos hotéis amazônicos de criar pontes e palafitas altas para poder ver, do alto, a grande dimensão do rio e das ilhas fluviais do parque de Anavilhanas, que estão diante do complexo.
O hotel guarda uma alternativa final para os que querem um mirante apenas para si. As duas habitações mais luxuosas ficam em uma estrutura chamada de "casa na árvore". Mais uma vez, as barras curvas de madeira organizam o espaço, erguendo-se em proporções mais verticais na paisagem da propriedade, e deixando a parte mais alta disponível para uma vista ainda mais alta das belezas naturais que marcam o entorno.
As construções todas têm um apelo francamente sustentável: soltas do chão, feitas com materiais retornáveis, captação de águas pluviais e energia solar e hortas orgânicas que abastecem o restaurante. Nos croquis das habitações, existem diversos gráficos de insolação e ventilação, que conferem à intervenção um standard de qualidade ambiental incomum nas construções da região, tornando-a um marco na hotelaria ecoturística da cidade.
Nas áreas externas, as soluções vêm a reboque da linguagem onipresente de madeira: deques soltos do chão, com desenhos serpenteantes, levam os hóspedes a seu quarto ou ao restaurante. A piscina tem geometria simples que, no entanto, reforça a linearidade do volume no qual a metáfora do barco invertido é mais forte.
É claro o quanto a arquitetura do hotel revisita temas comuns da arquitetura contemporânea internacional, como o trabalho com temas locais, a emulação dos barcos que cruzam a região, o respeito com a natureza circundante, o reconhecimento da cultura local e a onipresença do debate sobre sustentabilidade. À guisa de crítica, pode-se colocar que o projeto é demasiado canônico na abordagem desses temas. O próprio uso das estruturas curvas é relativizado pelos fechamentos comuns em esquadrias e painéis opacos de madeira, e as varandas em toras são um ruído na leve sucessão de chalés e na horizontalidade quase transparente do restaurante.
Assim que foi inaugurado, o Mirante do Gavião Amazon Lodge apareceu em diversos blogs e sites turísticos da região dos parques de Jaú e Anavilhanas, destacando-se por sua exclusividade e pela arquitetura. De fato, as fotos da obra impressionam pela desenvoltura com que os construtores retratados, a mão de obra local habituada com estaleiros, trabalha na montagem das instalações do hotel: as esperas sendo presas na estrutura dos deques, o material chegando por barco em um abrigo de obra feito como um píer, em meio ao rio Negro, são imagens que nos levam a crer na possibilidade de fazer uma arquitetura harmônica com o ambiente, utilizando técnicas já conhecidas pelos construtores da região, sem perder a mão da apropriação responsável do local.
Fonte: http://au.pini.com.br
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